Se for matricular os miúdos na escola posso recusar dar cópia do cartão de cidadão? Guia prático para entender as mudanças
Proposta de lei a ser discutida no parlamento quer que o ato de pedir e guardar a fotocópia do cartão passe a ser uma contraordenação
Há três meses, centenas de documentos com informação pessoal dos clientes que haviam ficado hospedados num hotel em Alvor, no Algarve, estiveram espalhados durante dias no jardim. Havia talões de multibanco, cópias de passaportes e de cartões do cidadão. Como podia assegurar-se que aqueles dados, que deveriam ser pessoais, e transmissíveis q.b, não podiam ser violados?
Há muito tempo que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) argumentava que havia maiores riscos de usurpação de identidade, com a passagem do bilhete de identidade para o cartão de cidadão (que conjuga vários números e até a morada, se passada numa máquina que lê o chip, disponível em muitos institutos públicos). Há uns meses, a Ministra da Modernização Administrativa, Maria Manuela Leitão Marques, também já tinha assumido que a prática de pedir fotocópias daquele cartão de identificação, por tudo e por nada, era ilegal. Mas havia um vazio na lei por preencher. Agora, uma proposta de lei a ser discutida no parlamento quer que o ato de pedir e guardar a fotocópia do cartão passe também a ser uma contraordenação, punida com multa de 250 a 750 euros. Eis o guia para que não se perca – nem se deixe enganar – entre estas mudanças.
Vou matricular os meus filhos na escola. O estabelecimento de ensino pede-me as cópias dos cartões de cidadão. Posso recusar tratando-se de uma escola?
Sim, pode. A lei não cria exceções: “É interdita a reprodução do cartão de cidadão em fotocópia ou qualquer outro meio sem consentimento do titular salvo nos casos expressos na lei." Pode recusar nesta circunstância. Como também poderá recusar quando for comprar um telemóvel ou comprar um pacote de tv-net-voz. Ou trocar uma nota de 200 euros num banco. Ou ficar hospedado num hotel. Apesar de ser uma prática recorrente, não há exceção para qualquer instituto público ou privado.
E se não me venderem um telemóvel porque não autorizo a reprodução do meu cartão?
É provável que, pelo menos nos primeiros tempos de adaptação às novas regras, algumas pessoas se vão deparar com esse cenário. Afinal, já era ilegal, mas poucos sabiam, e poucos reclamavam. Se lhe pedirem uma cópia invoque a lei que impede a reprodução do documento. Se não resultar invoque que, ao fazê-lo, aquela loja/empresa pode vir a ser multada. Se ainda assim não resultar, faça o contrário: peça-lhes que mostrem a lei que o obriga a fornecer uma cópia. E se nada disto resultar e não puder ficar sem telemóvel porque o seu se estragou? Peça o livro de reclamações, denuncie à polícia (obrigada a levantar um auto de notícia) ou apresente queixa junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). Essa comissão pode depois vir a ser ela própria a aplicar as multas por essas entidades não estarem autorizadas a ficar com os dados dos cidadãos.
Quem irá decidir?
40% das receitas destas multas irão diretamente para os cofres do Instituto dos Registos e Notariado (IRN). Este instituto passará a ter competência para instaurar e instruir o processo de contraordenação.
E se por alguma razão estas mudanças não avançarem?
A prática, por si só, já era ilegal, desde que o bilhete de identidade foi substituído pelo cartão de cidadão (que mostra, logo à partida, quatro números de identificação: o de identificação civil, o de contribuinte, o da segurança social e o do utente de saúde). Só não é ainda multada. Por isso, mesmo que a proposta não seja aprovada, não é obrigado a fornecer uma cópia do seu cartão e pode fazer denúncia na mesma.
Fonte: Visão