Esta semana terminou o período de adaptação às novas regras de controlo de ruído na noite da capital.
Estabelecimentos foram obrigados a instalar aparelhos limitadores de som. Logistas falam de um investimento elevado e temem alteração na dinâmica da animação noturna, que pode trazer prejuízos avultados.
É quinta-feira e a meia-noite já lá vai. Nas ruas do Bairro Alto ouvem-se gargalhadas típicas de quem traz uma cerveja na mão, mas as ruas não estão muito movimentadas. Não se ouve música, o que não é costume no labirinto de bares mais famoso de Lisboa. Fernando está de braços cruzados apoiado no balcão. Conversa com a única pessoa que está dentro do seu estabelecimento, que costuma estar sempre cheio, conhecido pelas caipirinhas que já quase prepara de olhos fechados.
Antigamente, a esta hora, havia música no Sabor e Arte. Em julho do ano passado, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) lançou um novo regulamento de horários para a vida noturna da cidade, que obriga todos os espaços noturnos com música a terem um limitador para controlar o ruído depois das 23 horas. Esta semana terminou o período de adaptação e os bares começam a fazer contas à vida. E a baixar o som.
Fernando diz que, «como em tudo na vida, paga o justo pelo pecador». Como havia muita gente que não respeitava os níveis de som estipulados, chegando até a colocar colunas no exterior, os moradores do bairro não podiam descansar convenientemente, explica. Foram precisamente as queixas dos moradores que levaram a autarquia a tomar medidas. O impacto na vida noturna de Lisboa só daqui para frente poderá ser avaliado.
E no final das contas pouco piu
Os limitadores de som têm de obedecer a critérios técnicos definidos pela câmara para restringir automaticamente o ruído e chegam a custar mais de 1.500 euros. Fernando, que até costumava ter muito movimento depois das 23h, achou que o investimento não compensava e que não ia ter retorno.
Os orçamentos apontados ao proprietário do estabelecimento Sabor e Arte ultrapassavam os 2.000 euros :«o aparelho custava 1.500 euros sem IVA, depois era preciso a instalação e o teste da acústica», conta Fernando. «Era demasiado dinheiro» e, por isso, é melhor estar em silêncio.
No bar Oito Nove, o descontentamento também é notório. O estabelecimento optou por investir para manter a música e funcionar dentro da lei, mas o negócio já está a sofrer um abanão. Pela 1h, a pista e o lugar onde costumavam atuar DJ’s estão vazios. «As pessoas reclamam que o som está baixo, que não dá para dançar e agora já nem temos Dj’s porque não vale a pena. Isto é péssimo», explica Denise Santos, funcionária no bar.
Se os bares sentem o impacto, todo o negócio envolvente começa a acusar dificuldades, até porque não é apenas o ambiente sonoro que está a mudar na noite de Lisboa. As diferenças «estão à vista de todos», explica Eurico Pereira, vendedor de pão com chouriço «Estão a mexer com tudo, agora só podemos vender até às duas horas, andam sempre em cima de nós».
Eurico Pereira diz ter sentido uma quebra de 50% nas vendas. «Todos os negócios estão a ser afetados desde os bares, a passar pelo pão e a terminar nos transportes». A explicação é simples: as pessoas começam a preferir outras zonas.
É o caso de Filipe. Jovem assíduo no Bairro Alto, considera a situação «péssima», uma vez que «deixa-se de ficar até tão tarde, tem que se ir para outras zonas, gasta-se dinheiro em táxis. Mais vale não vir cá», diz.
Se foram os moradores a forçar a mudança, nem todos concordam com ela. Carlos, 65 anos, vive no Bairro Alto há mais de quatro décadas e diz que o barulho nunca o incomodou. Chateia-o mais que o Bairro perca vida. «Os bairros históricos no mundo todo têm animação à noite. Um turista vem a Lisboa porque ouve falar deste tipo de características das nossas ruas», continua. Carlos diz que o barulho para os residentes é facilmente resolvido com a «tecnologia dos tempos modernos: vidros duplos e isolamento nas casas»,já que assim «não se ouve nada».
Lisboa mais silenciosa
Duarte Cordeiro, vice – presidente da Câmara Municipal de Lisboa, sublinha que estas medidas eram «extremamente necessárias».
O princípio do regulamento foi, por um lado, dividir a cidade em duas zonas:_uma zona ribeirinha, que não terá limite de horários de funcionamento, sejam lá quais forem os estabelecimentos. No caso de ser um bar ou uma discoteca, continuam a ter de cumprir as regras de insonorização como consta na lei do ruído. Na zona residencial, a Câmara Municipal de Lisboa introduziu limites de horários, em que os mais relevantes estão relacionados com os bares que passam a fechar portas às duas da manhã de segunda a quinta e às três da manhã às sextas, sábados, e feriados. No caso de terem insonorização, videovigilância, segurança à porta, entre outros detalhes, poderão encerrar às quatro da manhã.
Duarte Cordeiro explica que estas medidas não têm nada de inovador, tendo a CML_seguido os passos de outros municípios, como o Porto. A autarquia recebeu mais de 100 pedidos de licenciamento durante estes 120 dias, sendo que haverá «flexibilidade na fiscalização», já que muitos ainda estão a começar este processo de insonorização, garante o vice-presidente.
Os níveis de som vão passar a estar adaptados à capacidade acústica dos estabelecimentos. «Não se pode incomodar as famílias que vivem nos prédios dos bares»._Quando questionado sobre a dificuldade que os locais mais pequenos irão enfrentar e a possibilidade da dinâmica da cidade se alterar, Duarte Cordeiro rejeita esse cenário. «Não altera dinâmica nenhuma. Não estamos a impedir que tenham os negócios abertos, estamos a legislar para que não incomodem residentes».
As associações de comerciantes tiveram participação ativa em todo o processo. Hilário Castro, presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, está de acordo com a maioria do regulamento, mas alerta para a situação «complicada» das pequenas empresas.
No Cais do Sodré, por volta das duas da manhã também se vê pouca gente. O_responsável do bar Liverpool, Ivo Pinto, tem medo do que vem aí: «o processo ainda está a andar, mas já investimos cerca de 3.000 euros, não sei bem como é que vão ser as reações dos clientes com a música tão mais baixa». Chega-se à conclusão que pouco e muito se pode prever. «Vamos indo e vamos vendo», resume Fernando, o homem das caipirinhas do Bairro.