Afinal, o Estado e as empresas é que andaram a viver “acima das nossas possibilidades” – não as famílias

As famílias poupam pouco e têm dívidas, mas sempre viveram de acordo com as suas possibilidades. Dados estatísticos dos últimos 20 anos, divulgados pelo Banco de Portugal, mostram que o Estado e as empresas é que estiveram quase sempre em défice

Portugal financiou-se durante quase duas décadas à custa de dívida contraída no exterior, mas as famílias foram o único setor da economia que nunca viveu “acima das suas possibilidades” – a frase foi usada em 2011 pelo anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e pelo anterior Presidente, Cavaco Silva, para convencer os portugueses de que não havia alternativa à austeridade.

As Contas Nacionais Financeiras dos últimos 20 anos (1995-2015), hoje divulgadas pelo Banco de Portugal, mostram que foram as empresas não financeiras e, sobretudo, o Estado, os grandes responsáveis pelas necessidades de financiamento entre 1996 e 2011 que levaram o País a pedir dinheiro emprestado no exterior, aumentando a dívida pública e privada.

Em 2008, o nosso défice externo atingiu um valor máximo de 10,9% do PIB mas, com o resgate internacional, Portugal começou a registar, a partir de 2012, excedentes em relação ao resto do mundo. Em 2015, esses excedentes – que correspondem ao saldo conjunto das balanças corrente e de capital – representaram cerca de 1,7% do PIB (3 mil milhões de euros). No final do ano, esse valor deverá ser descer para 1,3%.

Nas duas últimas décadas, as famílias apresentaram sempre capacidade de financiamento, apesar de pouparem pouco e de contraírem dívidas – como se pode ver no gráfico. Contudo, depois de um aumento entre 2009 e 2013, os excedentes da família começaram também a diminuir. Em 2015 baixaram para 1% do PIB e, no final do primeiro semestre deste ano, desceram para 0,8% do PIB – um valor que, na zona euro, é superior, representando 3,4% do PIB. Esta tendência coincide com o aumento do consumo pós-troika (sobretudo de bens duradouros, como casas e carros) e também com a subida da carga fiscal sobre os particulares, conduzindo assim a uma menor poupança – a taxa ronda os 4%, um nível historicamente baixo em Portugal.

O Estado é que foi sempre deficitário nestas duas décadas, apesar da melhoria registada a partir de 2011. Ainda assim, o défice de financiamento das administrações públicas era de 3,4% do PIB no final do primeiro semestre. Já as empresas tiveram altos e baixos, não necessitando de financiamento externo em apenas cinco dos 20 anos analisados – 1995, 1996, 2013, 2014 e 2015. O maior contributo para a evolução positiva da capacidade de financiamento da economia depois de 2012 veio, precisamente, das empresas não financeiras – que, nos últimos anos, pouparam em vez de investirem, como seria expectável.

Os bancos, devido à sua função de intermediação financeira, mostraram maior capacidade de financiamento, à exceção dos anos em que o Estado teve de injetar capital ou salvar instituições – BPN em 2010, CGD em 2012, BES em 2014 e Banif em 2015.

As Contas Nacionais Financeiras do Banco de Portugal registam as operações financeiras, ao nível dos stocks e fluxos, entre os vários setores da economia: particulares (famílias e instituições sem fins lucrativos), sociedades financeiras (bancos), sociedades não financeiras (empresas) e administrações públicas (Estado).
Economia portuguesa – Capacidade/Necessidade de financiamento

As famílias mantiveram-se sempre à tona, O Estado e as empresas é que contraíram dívida para pagar o nosso défice com o exterior
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Legenda:
SF – Setor Financeiro (bancos)
SNF – Setor Não Financeiro (empresas não financeiras)
AP – Administrações Públicas (Estado)
Part – Particulares (Famílias e instituições não lucrativas)
Total da economia (total dos quatro setores)

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Fonte: INE, Banco de Portugal

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