José limpou terra para prevenir incêndios, mas como não pediu licença pode ter que pagar multa de 85 mil euros
Um agricultor do Parque Natural de Montesinho, em Bragança, foi autuado e incorre numa coima entre 2.000 e quase 85.000 euros por ter limpado um terreno agrícola de que é proprietário sem pedir autorização.
José Luís Terrão, com 73 anos, residente na aldeia de Varge, é acusado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) de ter cometido duas infrações graves por ter cortado/arrancado 13 azinheiras e por abrir um caminho no terreno agrícola de que é proprietário próximo da aldeia.
O processo de contraordenação corre desde 27 de maio de 2013, data em que o agricultor foi notificado de que foi autuado por duas infrações e que «a sua conduta é punível com uma coima única entre 2.000 e 84.819,68 euros». Está ainda sujeito a sanções acessórias se não repuser a situação anterior.
No auto de notícia enviado pelo ICNF, é explicado que o corte/arranque sem autorização constitui contraordenação punível com coima de 49,88 a 74.819 euros e a abertura do caminho sem parecer, uma contraordenação grave punível com coima de 2.000 a 10.000 euros.
«Isto é arruinar as pessoas, se fosse uma multa de 200, 300, 400 euros, agora esta coisa!» desabafou à Lusa, enquanto calcorreava o monte até à propriedade que comprou quando regressou de França, onde esteve emigrado 38 anos.
O terreno tem várias árvores, mas estava abandonado, o que levou José a pagar jeira a três homens para limparem silvas, carrascos e reabrir um caminho que, garante, já existia, mas estava coberto de mato.
O agricultor diz que desconhecia a necessidade de licença para a limpeza, mas está convencido de que cometeu “uma boa ação” por tratar aquilo que é dele e para evitar o perigo dos fogos.
O desfecho do processo ainda não é conhecido, mas o valor das coimas são para José “uma brutalidade” e motivo de um rol de perguntas.
«Porquê? Por eu livrar a minha casa do fogo? Por eu limpar a minha propriedade que estava cheia de silvas? Quando os ministros do Ambiente e da Agricultura andam a mostrar as matas e [a dizer que] é obrigatório limpar, a mim multam-me por limpar?», questiona-se.
José revolta-se contra o ICNF que, diz, «não é uma instituição de conservação da natureza, é uma instituição de conservação de abandono porque a maior culpa dos fogos é deles, porque os lameiros não ardem, o que ardem são as silvas, ninguém corta nada».
«Não ia a cortar os castanheiros e a deixar a azinheira, dão mais rendimento os castanheiros do que a azinheira e eles se não sabem isso que o aprendam. Dizem que abri um caminho, mas eu não abri o caminho, o caminho já existia e mais se eu abri um caminho naquilo que era meu, eles não têm nada a ver com isso», continuou.
Para este agricultor, quem manda tem de perceber que «o proprietário quando vai limpar uma propriedade, ele não quer deteriorar aquilo, quer trata-la».
António Francisco Branco andou à jeira para José na limpeza do terreno e atestou à Lusa que «aquilo já não dava para uma pessoa entrar lá, estava cheio de silvas, de gestas, as árvores estavam abafadas, desde que se fez a limpeza “explodiram”, estão bonitas».
O que José está a enfrentar «é de assustar qualquer pessoa», na opinião deste homem.
«Nós aqui não somos ricos, vivemos da agricultura, só que eles não lhes custa andarem aqui nos carros a multarem este ou aquele», observou, alertando que «apertam com as pessoas da aldeia tanto que veem-se saturadas e isto chega a páginas tantas o povo revolta-se e prega fogo aqui e acolá».
Os entraves que enfrentam aqueles que vivem no Parque Natural de Montesinho são motivo de indignação também para Evaristo Augusto Fernandes, de 85 anos, que está «há três meses» à espera de uma licença para cortar lenha naquilo que é dele.
Representou, como contou à Lusa, a junta de freguesia durante 19 anos e assegura que agora as coisas estão piores, desde que «juntaram a conservação com as florestas».
«Numa semana era concedida a licença, hoje não, hoje estamos cinco, seis meses, o mínimo (à espera). Cada vez estamos pior», afirmou.
Evaristo teme que quando vier a licença já tenha passado o inverno e ele sem lenha para queimar na lareira.
Dizem estes homens da terra que a freguesia tem «três milhões de pinhos», mas as aldeias não conseguem tirar rendimento, nem a população ganhar «um chavo» com esta riqueza.
«Se a gente vivesse desafogadamente, muito bem, mas agora que vida é que nós podemos fazer? Vida de mendigos”, desabafou Evaristo, que atribui responsabilidades “aos de por aí abaixo, de Lisboa e de Vila Real», onde se encontram os centros de decisão.
A Lusa pediu uma reação ao ICNF, mas ainda não obteve resposta.