A razão desconhecida que fez Ronaldo atirar o micro da CMTV
As reações de Cristiano Ronaldo com a comunicação social têm altos e baixos, algumas por culpa dele, outras por culpa dos jornalistas. É difícil haver um meio-termo
Nunca ninguém disse que ia ser fácil ou que ia valer a pena. É o que é e não há nada a fazer: a relação de Cristiano Ronaldo com a comunicação social é uma coisa ambígua, instável e volátil, como uma relação de amor intensa que tem os seus picos de paixão e os seus baixios de depressão.
Faz parte do jogo.
Ronaldo não é um tipo fácil, porque não é dócil. Tem orgulho no que tem, no que é, no que fez e no que faz; e no que construiu. Ele próprio construiu-se.
Pulou por cima do contexto social e familiar em que nasceu, fintou a genética e o destino que lhe estava resevado no lado pobre da Madeira – e transformou-se. O miúdo escanzelado e com os dentes encavalitados e o penteado de berloques que chegou vestido de Armani a Manchester deixou de existir.
Hoje, no lugar dele está um ícone musculado multimilionário, conhecido em todo lado pelo que joga, pelos títulos que ganha e pelos golos que marca. E também pelas festas nos iates, pelas namoradas que teve, pelo abdominais que mostra, pelas viagens a Marrocos, pela vaidade que veste.
Ele é o único concorrente de um reality show só dele, onde aparecem o filho e a família, os amigos e a mansão, os carros, a piscina, as manias e os trejeitos, as poses de body builder e os banhos de sol. É tudo interpretado e realizado por ele, com a ajuda da entourage.
Como muitos outros génios, Ronaldo tem um lado obsessivo-compulsivo e controlador, porque só controlando todos os cenários e prevendo os imprevistos é que alguém como ele consegue estar tanto tempo no topo. Beckham, por exemplo, tinha de ter sempre as toalhas de rosto impecavelmente alinhadas umas com as outras no toalheiro, porque a desarrumação desarrumava-lhe a cabeça.
O controlo dá paz de espírito e uma sensação de domínio sobre o meio a gente como Ronaldo ou Beckham, que não podem pôr um pé na rua sem serem fotografados.
O que Ronaldo não sabe é que não consegue controlar a crítica. Ou melhor, Ronaldo não concebe a crítica. Não admite que ponham em causa o que vale, que não reconheçam os seus méritos e os seus números, e que não percebam o trabalho que lhe deu para chegar até aqui – e para se manter aqui.
Na cabeça de Ronaldo, os clubes onde ele joga, a seleção que ele representa e o país que deu a conhecer devem-lhe muito, se é que não lhe devem tudo. Ele alimenta-se dessa devoção, precisa dela, fá-lo sentir-se bem e apoiado, porque é assim o ambiente lá em casa dos Aveiro. E é por essa genuinidade, arrogância, mimo ou seja lá o que for que a relação com a imprensa e a comunicação social foi-se tornando tremida. E fraturada.
Cristiano Ronaldo é um fenómeno que divide opiniões entre quem o adora e quem o detesta. É difícil encontrar um meio-termo, porque uma personalidade maior-do-que-a-vida dificilmente gerará consensos. Haverá sempre quem escreva bem dele, como Jorge Valdano, que o prefere a Messi; mas também haverá sempre quem o tente destruir, como John Carlin fez há dias, usando argumentos ridículos e abusivos para o criticar – recuperar o passado do pai do português é um exercício, no mínimo, desonesto.
A Ronaldo cabe-lhe conviver com este monstro de duas cabeças e tentar não perder a dele quando confrontado com as coisas de que não gosta. Podia ser um problema de maturidade, mas aos 31 anos já se tem idade suficiente para ter juízo.
Só o Peter Pan será para sempre jovem.
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