J. foi encontrado no meio de uma estrada nacional, dentro de uma viatura, qual Bela Adormecida. O juiz do tribunal de 1ª instância salvou-o por uma mera formalidade.
Mas afinal, é ou não relevante saber que veículo conduzia quando está em causa um crime de condução em estado de embriaguez?
Passava pouco da meia-noite de um dia de maio de 2015 quando J. foi encontrado adormecido numa estrada nacional em Mêda, dentro de um veículo, parado no meio da via, com os máximos ligados.
Quando percebeu que tinha sido surpreendido por uma patrulha da GNR arrancou com a viatura. Só quando os militares chamaram pelo seu nome – já era conhecido de um deles -, decidiu parar.
O teste do balão viria a explicar o seu estado adormecido: tinha uma taxa de 1,50 g de álcool por litro de sangue. J., que já tinha no cadastro uma condenação por um crime de desobediência, foi direitinho para tribunal responder por mais um crime: condução de veículo em estado de embriaguez.
Perante o juiz, J. contou que tinha a 4ª classe, era agricultor de profissão, e por conta própria, trabalhava à jeira, não mais de 35 euros por dia, mais uns extras da venda de vinho e azeite, mas mesmo assim, com a mulher doméstica, e a mensalidade de 200 euros para uma carrinha que comprara, tinha de sobreviver com a ajuda da mãe.
O juiz daquele tribunal de 1ª instância não se deixou comover com os seus argumentos. J. acabou absolvido, mas por uma razão mais insólita.
O juiz concentrou-se na forma como havia sido redigido um dos autos de notícia. E concluiu que a expressão “veículo de matrícula xx xx JT” era “insuficiente” para perceber de que veículo se tratava. “Tratar-se-á de uma bicicleta? De um automóvel? De um trator? No universo de veículos sujeitos a matrícula, cabem vários tipos de ‘veículos’, passe a redundância.” Ainda para mais, acrescentou o magistrado, não se sabia se o veículo era “com ou sem motor”, o que se tratava de “uma insuficiência fáctica insuprível, no modesto entender do tribunal”. O juiz decidiu então de forma bizarra: como não era possível saber que espécie de veículo J. conduzia, ou se era com ou sem motor, teria de ser absolvido.
O procurador do Ministério Público não se conformou com o veredito e recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra. Os juízes desembargadores concluíram que os veículos a motor e seus reboques só podem circular com matrícula e que se J. tinha sido apanhado a conduzir um veículo de determinada matrícula é porque evidentemente conduzia um veículo com motor. Frisaram ainda que embora a acusação não indicasse outras características da viatura, o juiz não estava impedido de ir consultar outros autos que eram explícitos e que constavam do processo: J. conduzia um veículo ligeiro, de mercadorias, de marca Mitsubishi, modelo L200, e cor branca. E ainda destruíram o argumento usado para a absolvição porque o Código Penal não faz distinção entre veículos com ou sem motor no artigo que pune a condução em estado de embriaguez. Porque “tão perigosa é para a segurança rodoviária a condução sob a influência do álcool de um veículo com motor ou sem motor.”
A sorte não acompanhou J. pela segunda vez. Pouco importava se a sua viatura tinha ou não motor, uma vez que a conduzia, e devido ao estado de embriaguez, adormecera com os máximos ligados no meio da via, pondo em causa a segurança rodoviária. J. foi condenado em Junho passado a pagar 360 euros de multa. Também foi proibido de conduzir veículos com motor por um período de três meses.
Fonte: Expresso