Emiliano Fittipaldi, o jornalista italiano que denunciou crimes fiscais de instituições ligadas à Igreja Católica, revela no livro Avareza, lançado agora em português (pela editora Saída de Emergência) que as beatificações são um dos negócios mais lucrativos para os cardeais.
Em entrevista à revista portuguesa Visão, Fittipaldi conta que “o caminho mais rápido para chegar a santo é pagar a um bom advogado para tratar do processo. Pela beatificação da espanhola Francisca Ana de las Dolores cobraram-se EUR 482.693 [USD 549.392]”. Para se iniciar o processo de canonização é preciso que o candidato a santo seja beato.
Tendo em conta o custo do processo, não admira que haja certas zonas do planeta, como África, onde o número de santos seja bem menor. “Em África ou nas Filipinas não há dinheiro para isso”, diz o jornalista que passou um ano a investigar as contas do Vaticano.
No livro, Fittipaldi revela nomes de cardeais que desviaram dinheiro de doações que deveriam ter ido para os mais pobres. “Descobri que Tarcisio Bertone [ex-secretário de Estado] usou EUR 200 mil [USD 227 mil] de um hospital pediátrico para fazer restauros na sua casa. Um cardeal pedófilo pagava EUR 50 mil [USD 56] por mês à secretária”.
“Em 2012, as esmolas recolhidas para apoiar os pobres somaram EUR 53,2 milhões [USD 60,5 milhões], mas só EUR 11 milhões [USD 12,5 milhões] foram para ajudar os mais desfavorecidos. A Cúria romana ficou com EUR 35,7 milhões [USD 40,6 milhões]. Há cardeais a viverem em luxo. No meu livro digo o nome e apelido de cada um. Descobri que há cardeais a viver em Roma em apartamentos de 400 metros quadrados. E não usam esse espaço nem para pobres nem para refugiados”, denunciou o jornalista.
Fittipaldi acrescenta que “o Vaticano é um Estado rico. Mas todo o dinheiro recolhido fica no Vaticano, para os cardeais, em vez de ir para os pobres. Isso é incrível!”
Em Avareza, o jornalista garante que diz que só denunciou dez por cento do escândalo económico dentro do Vaticano. “Sei de cardeais que têm milhões de euros no banco do Vaticano. Se outros quiserem investigar, terão muito sobre o que escrever”, sublinhou.
Mesmo com a informação, o jornalista escolheu não continuar a investigar o Vaticano, confessando-se “cansado”. “Fui muito atacado em Itália. Dei entrevistas a jornais dos Estados Unidos, Espanha e Portugal. Mas, em Itália, nenhum jornal quis ouvir as minhas denúncias”. Além disso, outros profissionais acusam-no de ter roubado os documentos. Uma rádio católica sugeriu que se enforcasse.
Reacção do papa Francisco
Emiliano Fittipaldi criticou a reacção do papa Francisco após a publicação do livro. “Ele é um rei no Vaticano e eu tenho um problema com a justiça dele. O papa está muito zangado com a edição do meu texto. Levou-me a tribunal. Depois da publicação, disse em público, na Praça São Pedro, em Roma, dirigindo-se à multidão, que o meu livro era mau para a Igreja”.
O jornalista explica que o papa “quer mais transparência para o futuro, mas não quer que se descubra o passado. Quer limpar a Igreja por dentro sem que ninguém saiba.”
“Francisco e o Vaticano estão muito zangados comigo porque destruí essa propaganda. Ele queria reformar, mas não teve tempo para isso. E agora está sozinho. Tem muitos inimigos”, acrescenta.
A fuga de informação que deu origem ao livro Avareza ficou conhecida como Vatileaks. Os documentos mostram uma lista de propriedades da Igreja em Londres, Paris e Roma, no valor de EUR 4 mil milhões (USD 4,5 mil milhões). Depois da publicação, Francisco tem tentado mudar o sistema para haver mais transparência.
O autor é acusado do crime de “subtracção e divulgação de notícias e documentos reservados”, previsto na lei do Estado do Vaticano. Se for condenado ainda este mês, arrisca-se a uma pena máxima de oito anos de prisão. Também enfrenta a justiça num tribunal de Roma por causa de outro trabalho jornalístico sobre Tarcisio Bertone, em que é acusado de difamação. “Nos próximos tempos, vou passar mais tempo em tribunal do que no jornal”, disse.